terça-feira, novembro 28, 2006

João e Maria


Agora eu era o herói

E o meu cavalo só falava inglês

A noiva do cowboy era você além das outras três

Eu enfrentava os batalhões, os alemães e seus canhões

Guardava o meu bodoque e ensaiava o rock para as matinês

Agora eu era o rei,Era o bedel e era também juiz

E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz

E você era a princesa que eu fiz coroar

E era tão linda de se admirar

Que andava nua pelo meu país

Não, não fuja não

Finja que agora eu era o seu brinquedo

Eu era o seu pião, o seu bicho preferido

Vem, me dê a mão, a gente agora já não tinha medo

No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatal que o faz-de-conta terminasse assim

Pra lá desse quintal era uma noite que não tem mais fim

Pois você sumiu no mundo sem me avisar

E agora eu era um louco a perguntar

O que é que a vida vai fazer de mim?

Chico Buarque

quinta-feira, novembro 23, 2006

running 4 fun


O sol espreita pelos intervalos das nuvens, altas, carregadas de um negro assustador que prevê a eminência de uma trovoada, os raios de luz iluminam os verdejantes campos de ambos os lados da bucólica estrada, onde alguns centenários castanheiros, anunciam o Outono num véu de folhas que se estende aos seus pés, entre os sons do campo, apenas se ouve o trotear dos meus ténis no asfalto e o arfar do meu fiel amigo bismarck, o qual eu nunca convidei para me acompanhar, mas que tal como eu goza o prazer de correr na montanha.No final da recta, tomo um caminha à direita pelo meio daquilo que outrora foi um frondoso pinhal, com o chão revestido de fetos, agora já em passada mais curta pois o desnível a isso obriga, vou rasgando o caminho e saltitando os pinheiros queimados, que a fúria do vento acabou por prostar,o desnível continua acentuar, fazendo as primeiras gotas de suor brotar na minha face, ao sair dos pinheiros contorno um cotovelo que me leva a uma ultima rampa e que me coloca na aresta cimeira da serra ,o coração parece querer explodir sinto o latejar jugular que teima em levar o oxigénio ás minhas pernas, no final da rampa posso vislumbrar toda a aresta que terei ainda de percorrer ,o serpentear do caminho ladeado por pinheiros, serras verdejantes de ambos os lados e uma ou outra habitação aqui ou acolá, do lado esquerdo a serra recorta-se a contra luz ,fazendo antever, o final do dia a aproximar-se, o horizonte preenche se do inigualável laranja do poente nortealentejano ,são cerca de 50 minutos de êxtase total ,onde cada lufada de ar sabe, como se aquele fosse o ultimo oxigénio puro da terra, os olhos lacrimejantes castigados pelo vento de nordeste arrefecido no maciço central, vão procurando o trilho que já mal se vê ,sempre a ganhar cota até culminar num pinhal sobrevivente aos incêndios ,mergulho no escuro sentindo os voos rasantes de um ou outro morcego e ouvindo as corujas ,sábias guardiãs da noite serrana, uma longa descida volta a colocar me no asfalto onde os candeeiros dão sinais de alguma civilização, no alto da ultima colina já consigo ver a luzes da minha casa, essa imagem que eu tanto gosto de apreciar, reconfortante é o regresso, tendo o mesmo sempre sabor de primeirisso.Assim o faço, não por uma questão estética ,tão pouco por a procura de um resultado ou de ummelhor tempo, sem relógio ,sem clube ,sem compromisso apenas por prazer.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Rosa


Trago uma rosa vermelha
Aberta dentro do peito
E já nem sei se é comigo
Se é contigo que eu me deito.
A minha rosa vermelha
Mais parece uma romã
Pois quando aberta de noite
Não se fecha de manhã
Trago uma rosa vermelha
Na minha boca encarnada
Quem me dera ser abelha
De tua boca fechada
Trago uma rosa vermelha
Não preciso de mais nada.
Pus uma rosa vermelha
Na fogueira do teu rosto
Mereço ser condenada
Por crime de fogo posto.
Trago uma rosa vermelha
Que é minha condenação
Condenada a vida inteira
À fogueira da paixão
Trago uma rosa vermelha
Atrevida e perfumada
É uma rosa vaidosa
A minha rosa encarnada
Trago uma rosa vermelha
Não preciso de mais nada.
José Carlos Ary dos Santos

RECOMEÇA



"Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro
do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade."

Miguel Torga

sexta-feira, novembro 10, 2006

Quando me perco sigo uma estrela
que nao brilha igual em todo o firmamento
e se cair para la das ilhas encantadas
eu vou
se o teu nome não fosse o do pecado
ou da benção que o céu hoje lhe deu
nem por montes nem por mares
onde o sol nunca nasceu
perderia o rasto de um sorriso teu

terça-feira, novembro 07, 2006







Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu Morar nela...


Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego.


Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
( Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela


Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!


Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e Amarelos,
Salpicados de Oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...


Ora agora,
?Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão
De se lembrar de fazer?


Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
?Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?


Lá num craveiro, que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
Á qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...


?Como é que o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere ... e consola
Com o próprio mal que faz?


Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre; cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida
- Não vivida!, sim morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites do tal suão
Já varias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...


Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a trás à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tôsca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela!


Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acàciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!


O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo!, que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, vácuos,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...


E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casa que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.


Vento suão!, obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!


E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.








José Régio